Como produzir cachaça artesanal em 7 etapas
Conheça as 7 etapas da fabricação da cachaça artesanal de alambique e descubra os segredos de como produzir cachaça
O cuidado para produzir cachaça artesanal faz brilhar os olhos de um apreciador de cachaças fervoroso. A atenção a cada detalhe, a alquimia na escolha de leveduras para fermentar e madeiras para maturar e o capricho na apresentação final do produto fazem valer o que se paga para apreciar nossa caninha.
1. PLANTAÇÃO E COLHEITA
Ao longo dos séculos, a aguardente já foi produzida no Brasil a partir de diversos derivados da cana: melaço, borras do melaço, mel de cana, melado e rapadura.
A cana-de-açúcar é uma planta tropical que cresce bem em temperaturas entre 18-35o C. Desde o início da colonização, espalhou-se pelo Brasil e se estabeleceu como uma das principais culturas agrícolas do país. Atualmente, ainda possui relevância econômica e social, sendo o Brasil o país com a maior quantidade de hectares de cana plantados.
Os diferentes tipos de cana usadas na produção de cachaça:
Diversas variedades de cana da espécie Saccharum officinarum são usadas para produzir cachaça, entre elas algumas encontradas há centenas de anos em regiões tradicionais de produção. Nomes populares como java-amarela, java- preta, uva, caiana, branquinha, crioula, roxinha, havaianinha e mulatinha são encontrados por todo o país; outra opção para o cachaceiro é plantar no canavial variedades melhoradas geneticamente, resultantes do cruzamento entre diferentes espécies, buscando resistência contra pragas e um alto rendimento para a produção de etanol, entre elas SP801842, RB765418, SP791011, RB855156, CTC-5.o
Poucos produtores consideram que a cana-de-açúcar tenha papel relevante nas características sensoriais de sua cachaça, os chamados aromas primários, ou seja, provenientes da matéria-prima. Em um mercado com mais de 4 mil marcas, apenas três produtores identificam a variedade de cana em seus rótulos. Para a maioria, o principal critério para a escolha da matéria-prima é o rendimento em produção de álcool, por isso a predileção por variedades desenvolvidas em centros de pesquisa.
O que os produtores não podem desconsiderar é que o colmo da cana apresenta variação de compostos tão diversa quanto a de qualquer vegetal, portanto manter o foco na produtividade de etanol contribui pouco para entendermos o papel da cana para a riqueza sensorial da cachaça.
Canas famosas:
- Java, variedade ainda encontrada no norte de Minas Gerais, é nativa da ilha de Java.C
- Crioula ou mirim, originária das primeiras mudas trazidas da Ilha da Madeira para a Bahia, foi depois levada pelos holandeses para o Nordeste.
- Caiana ou Bourbon chegou ao Brasil vinda da Guiana Francesa no fim do século XVII.
A colheita da cana-de-açúcar:
A colheita pode ir de maio a dezembro, quando a cana atinge o ápice de maturação, com brix (ver passo 4) entre 18-24º. Para estender o período de produção de cachaça, muitos cultivam três variedades de cana com diferentes períodos de maturação: a precoce, colhida em maio e junho; a média, colhida entre julho, agosto e setembro; e a tardia, colhida entre outubro, novembro e dezembro.
2. MOENDA E FILTRAGEM
Após a colheita, a cana deve ser armazenada longe da luz solar e de calor para evitar a proliferação de bactérias que podem prejudicar a qualidade da cachaça. Nas primeiras 24 horas após a colheita, a garapa é extraída em moendas de diferentes tamanhos, eficiências e potências, separando o bagaço do caldo.
Depois da moenda, o caldo é filtrado e decantado, deixando para trás bagacilhos e resíduos sólidos.
3. REDUÇÃO DO BRIX
O que é brix: é uma escala numérica criada por Adolf Ferdinand Wenceslaus Brix, é utilizado na indústria de alimentos para medir a quantidade de açúcar em soluções líquidas, como sucos de frutas e vinhos.
Depois da filtragem, o caldo de cana vai para uma dorna de inox onde é diluído em água potável sem cloro, o que vai contribuir para a redução do brix para 15º. O caldo diluído e pronto para fermentação é chamado de mosto.
O mosto com brix acima de 15° pode resultar no aumento do teor alcoólico durante a fermentação, prejudicando a atividade das leveduras.
Alguns produtores pasteurizam o caldo de cana antes de reduzir o brix para esterilizar e evitar contaminação.
4. FERMENTAÇÃO
A fermentação é o processo em que fungos microscópicos conhecidos como leveduras convertem os açúcares simples em álcool e gás carbônico. O principal microrganismo responsável pela fermentação alcoólica, tanto na produção de pães, como na de cerveja, vinho, saquê ou cachaça, é o Saccharomyces cerevisiae.
Para a produção da cachaça, primeiro é necessário transformar os açúcares da cana em vinho de cana. Durante esse processo fermentativo também são criados muitos dos compostos que conferem aromas e sabores às bebidas, os aromas secundários. O perfil químico e sensorial da cachaça está diretamente relacionado à fermentação e, portanto, às cepas de leveduras envolvidas nesse processo.
Registros do século XVII descrevem que os escravos na Bahia já fermentavam os derivados da produção do açúcar de maneira consciente para produzir o vinho de cana para consumo. Até hoje em Paraty é costume dos mais velhos beber o caldo fermentado da cana, chamado de mucungo, palavra de origem africana.
A multiplicação das leveduras:
Antes da fermentação efetiva, o produtor deve cultivar suas leveduras e criar as condições ideais para que esses microrganismos se reproduzam.
O primeiro passo é decidir quais leveduras serão usadas, pois cada tipo influencia à sua maneira o processo fermentativo e também confere diferentes características sensoriais ao destilado final.
A maioria dos produtores utiliza leveduras selvagens ou autóctones, aquelas presentes no canavial, no ar e no local de produção. Outros utilizam o fermento biológico fresco para panificação, sendo o mais comum o Fleischman. Desde o começo dos anos 2000, muitos produtores têm se convertido para as leveduras selecionadas, cultivadas em laboratórios especializados, entre elas FERMOLL DESTILER, CA-11, CANAMAX, CAT-1, BG-1.
Para a multiplicação dos microrganismos, é criado o pé de cuba, um líquido denso composto por leveduras e caldo de cana. O líquido leva esse nome porque é formado no fundo das dornas, onde, de 5 a 7 dias, em condições de intensa aeração, as leveduras são alimentadas diariamente com caldo de cana. Nessa etapa, os microrganismos utilizam a energia adquirida dos açúcares para reprodução, e não para produção de álcool.
Fermento caipira: a maioria dos produtores artesanais possui uma receita regional para a formação do seu pé de cuba. Normalmente, são receitas constituídas de caldo de cana e alimentos para as leveduras, como fubá de milho, farelo de arroz, mandioca ou soja. Limão e laranja azeda também são utilizados para a correção da acidez. Esses substratos enriquecem o mosto e fornecem nutrientes para as leveduras se multiplicarem.
O processo de fermentação:
Depois de formado o pé-de-cuba, com a cultura de leveduras bem desenvolvida, o caldo de cana com brix 15º é adicionado aos tanques de fermentação. Em ambiente sem oxigênio, com pH entre 4,0-4,5 e temperaturas que variam entre 28-32ºC, as leveduras podem começar a transformar os açúcares em vinho de cana.
Na produção da cachaça artesanal, o processo dura de 14 a 24 horas e deve ser todo natural, sem adição de compostos químicos para eliminar bactérias indesejadas ou acelerar a atividade das leveduras. Quando as leveduras terminam de transformar todo o açúcar do mosto em álcool, o vinho de cana atinge um teor alcoólico que varia entre 7-12%.
E as bactérias? As fermentações bacterianas podem ser prejudicais, resultando em cachaças muito ácidas e com aromas indesejados, como o de vinagre (bactérias acéticas) e de ovo podre (bactérias sulfídricas). Mas algumas bactérias podem influenciar positivamente as características sensórias da cachaça, agregando aromas de frutas e amanteigados (bactérias lácticas).
Futuro da cachaça:
Alguns produtores visionários têm selecionado leveduras presentes no próprio canavial. Elas são levadas para o laboratório, isoladas, clonadas e testadas para detectar as com maior potencial de fermentação – dessa forma, as cachaças obtêm identidade regional, graças ao uso de leveduras autóctones, e também maior controle de qualidade e padrão ao utilizarem, safra após safra, a mesma cepa de levedura.
5. DESTILAÇÃO
Na produção artesanal, o vinho de cana é levado para ser destilado dentro do alambique de cobre. A destilação consiste em aquecer o vinho de cana, aplicando calor direto ou indiretamente ao alambique.
Como o ponto de ebulição do etanol (78ºC) é menor que o da água (100ºC), o álcool evapora, deixando a água para trás. Nesse processo, são também separados da água outros compostos como ésteres, aldeídos, cetonas, álcoois, ácidos e outras substâncias. Os vapores de todos esses compostos sobem pelo pescoço do alambique, onde são resfriados por serpentinas, nas quais corre água fria, e condensam, o que faz com que voltem à forma líquida.
O líquido resultante é uma aguardente de cana, com teor alcoólico até seis vezes maior que o do vinho que iniciou o processo de destilação. Para ser consumido e chamado de cachaça, precisa ser dividido em três partes: cabeça, coração e cauda:
Cabeça:
É a primeira fração dos vapores de álcool condensados. Possui alto teor alcoólico (60%) e maior presença de metanol. Impróprio para consumo.
Coração:
O coração, parte nobre do destilado, é apropriado para o consumo. É a fração que deve ser engarrafada e chamada de cachaça.
Cauda:
É a última fração da destilação, quando o líquido chega a 14% de teor alcoólico (conhecida também como rabo ou água fraca). Tem aspecto viscoso e esbranquiçado. Assim como a cabeça, é imprópria para consumo.
- A cabeça corresponde a 1% do vinho de cana adicionado ao alambique para ser destilado; o coração, a 16%, e a cauda, a 2% a 4%. O restante é o vinhoto, fração não destilada que sobra no alambique.
6. ARMAZENAMENTO E ENVELHECIMENTO:
Após a destilação, não é obrigatório, mas a cachaça pode maturar em tanques de aço inoxidável ou, segundo as normas, ser armazenada ou envelhecida s em barris de madeira.
A maioria das cachaças comercializadas descansam por pelo menos três meses em tanques de aço inox. Além de os tanques funcionarem como recipientes de estocagem, esse período dentro deles contribui para a oxidação de alguns compostos, principalmente o acetaldeído, melhorando a qualidade sensorial da cachaça.
No entanto, armazenar ou envelhecer cachaça em barris de madeira modifica intencional e consideravelmente as características do destilado, dependendo de fatores determinantes, como qualidade e teor alcoólico do destilado, tamanho, tipo de madeira e estado de conservação do barril (ou até mesmo se ele passou por tosta, período de envelhecimento e condições ambientais da adega.
A maturação de bebidas alcoólicas em madeira é uma arte praticada há mais de 2 mil anos. A princípio, vasilhas de madeira serviam para transportar e conservar a bebida, mas, quando se deu o entendimento de que esse recipiente poderia agregar sabores diferenciados e muito apreciados aos fermentados e destilados, a prática se tornou comum no processo de produção de bebidas alcoólicas. Por meio dela, é possível aumentar ainda mais a percepção de aromas e sabores da cachaça, representando em muitos casos mais de 65% de suas características sensoriais. Um destilado que já é muito apreciado na sua versão pura, sem madeira, pode ganhar valor econômico e sensorial após passar por barris ou dornas.
Durante a maturação, o álcool extrai compostos da madeira, e o oxigênio que circula pelas porosidades do barril contribui para a formação de ácidos, ésteres e aldeídos que modificam a bebida. Enquanto outros destilados são envelhecidos em barris de carvalho europeu ou americano, a cachaça se diferencia porque pode passar por esse processo em mais de quarenta espécies de madeiras nacionais, tais como jequitibá-rosa, jequitibá-branco, bálsamo, amendoim, ipê, amburana, grápia, ariribá, jatobá, freijó e canela-sassafrás, o que traz identidade e autenticidade ao destilado nacional.
7. ENGARRAFAMENTO E ROTULAGEM
Após a maturação em inox ou em madeira, a cachaça pode ser acrescida de água ou mais cachaça para padronização, com o intuito de reduzir ou aumentar o teor alcoólico. Em seguida, a bebida passa por filtros para eliminar resíduos sólidos oriundos do processo de envelhecimento. Alguns produtores também utilizam filtros de cobre para reduzir as taxas do metal para o padrão permitido pela legislação (5 mg/L). Para finalizar o processo, a cachaça é engarrafada e rotulada em recipientes de vidro ou cerâmica de no máximo 1 litro. Não é recomendado o engarrafamento em potes de barro. Além de economicamente inviável, ao se considerar as altas taxas de evaporação os recipientes de barro podem dar um sabor terroso à aguardente.
- Alguns produtores informais utilizam bombonas de plástico e embalagens PET para comercializar a bebida. Estudos comprovam que a aguardente armazenada nesses recipientes pode obter taxas elevadas de acroleína, um composto tóxico.
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